Do lugar onde vivo, fora do castelo, deixo meu relato a pedido do chefe da presente Estação:
Naquele dia havia chegado ao nosso castelo uma moça muito assustada e curiosa de nome Carol. Ficou muito surpresa com nossa recepção, mas depois compreendeu o motivo daquela festa: há três séculos que ninguém entrava no nosso castelo! E por algumas horas – antes de conversarmos – acreditamos que ela era uma de poucos seres humanos que ainda existiam.
- Vocês estão brincando? – ela perguntou. Mas, imagina aqui o velho escrivão, que depois de olhar bem onde estava, a moça concluiu:
- Não, eu acho que ninguém está brincando.
A Carol nos contou que a Terra deve ter mais de seis bilhões de habitantes.
- Você está brincando? – perguntou, incrédula, a senhora que vende hortaliças.
Falou sobre algumas coisas do mundo e eu sentia receio na voz dela, talvez estivesse tentando ir devagar, para não nos assustar. Disse que o nosso castelo era visível de um lugar perto dos morros agudos e que muita gente já deveria ter passado pelo castelo. Nos últimos dias, acabamos concluindo que nosso isolamento e nossa falta de coragem em contrariar o Rei Lázaro nos deixaram cegos.
- Mas e vocês do lado de fora? Por que não conseguem ver nosso castelo?- indagou o homem que tentava acender uma fogueira.
- Acho que por outros motivos também estamos cegos.
Fiquei intrigado com esta última afirmação, no entanto, tínhamos tanta coisa para conversar que acabávamos mudando logo de assunto e assim, deixamos a moça aturdida. Também pudera! Ela trabalhava o dia inteiro e à noite nos contava histórias – escondida do rei. Perdoem meus 85 anos. Esqueci de falar sobre o trabalho forçado. O nosso velho rei, o Rei Lázaro, carrega consigo, naturalmente, o peso do enclausuramento de seus antepassados – carrega outros pesos também - e não demorou em acusar a visitante como subversiva e mentirosa. A punição foi o trabalho forçado, mas ela teve tudo: comida, água e uma pequena casa para morar – moradia oferecida por uma menina bailarina.
Há quatro dias escrevi uma carta para o Mateus, da Estação Querida. Uma carta que um passarinho muito cantarolante levou embora. Fiquei preocupado com aquela ave tão pequena voando em meio àquela ventania, mas o cantarolante era obstinado no bater das asas. A carta levava uma resposta estranha a um pedido de ajuda. Depois a Carol explicou que aquela fora uma tentativa de enganar o rei, se ela dissesse claramente o que estava pensando das atitudes do rei e sobre o rei, era bem possível que a correspondência jamais chegasse à Estação.
A ventania indicava uma tempestade e o castelo – juro por Deus! – balançava! As folhas e flores das árvores, que estavam acumuladas na pouca água que restava do lago, formavam uma outra chuva cheia de redemoinhos. Perdoem meus 85 anos. Esqueci de falar que o lago evaporou em dois dias e formou uma nuvem carregada sobre o castelo. A visitante parecia muito feliz com a possibilidade de chover tudo aquilo, imagina aqui o velho escrivão, que isso se devia à poesia recebida no dia 23 de fevereiro.
A grande nuvem preta começou a se remexer, foi quando ouvimos um estrondo! Não era um trovão e não dava para distinguir a origem do barulho. Foi então que me apoiei na parede e olhei em direção ao portão. E não vi portão algum! Ele estava aberto para fora e eu não sabia se as pessoas estavam fugindo ou se estavam perdidas. Apenas sei que eu sabia para onde queria ir: para além do portão, para o mundo com mais de seis bilhões de pessoas! E fui. E fomos! Andamos contra um vento cortante e chegamos ao local onde a chuva caía. Ao lembrar-me das cartas, percebi que estávamos no encampado dos morros agudos!
quinta-feira, fevereiro 28, 2008
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