"A ciência e a técnica não surgiram pelo puro exercício gratuito da racionalidade, mas como resposta exigida pelo avanço da produção, do mercado e do consumo. Elas são a decisiva contribuição que a burgesia deu à humanidade. Por causa da produção, a razão que vai ser desenvolvida até os seus extremos será a razão analítico-instrumental, em detrimento de outras formas de exercício da razão (dialética, sapiencial etc.). O saber possui uma intencionalidade definida: o poder. Poder e saber coincidem para a modernidade burguesa. Por isso o projeto científico e técnico constituirão a grande empresa da sistemática dominação do mundo em função do processo produtivo.
O homem da modernidade burguesa está sobre as coisas e não mais com elas, porque seu saber analítico significa poder de controle sobre seus mecanismos colocados em função do desfrute humano. A racionalidade analítica exigirá um corte dos outros acessos legítimos ao real orientados pelo Pathos, a simpatia, o Eros, a comunhão fraterna e a ternura. Toda esta dimensão será recalcada e até difamada como fator perturbador da objetividade científica. A ciência a serviço dos a prioris fundadores (a vontade de lucro, de desempenho) organiza sua démarche de dominação mediante a projeção de modelos e paradigmas da realidade que lhe garantem a eficácia operatória. Certamente este pragmatismo possui a sua razão de ser (garantir a produção e a reprodução da vida), mas nem por isso deixa de ser profundamente redutor na medida em que esquematiza e artificializa a realidade e oculta dimensões decisivas para a realização do sentido humano da vida. Especialmente a natureza, apesar do entusiasmo pelas descobertas nos primórdios da revolução moderna, foi separada da vida emocional e arquetípica das pessoas; deixou de ser uma das grandes fontes alimentadoras da dimensão simbólica e sacramental da vida, perdendo sua função terapêutica e humanizadora.
(...)
A crítica moderna do após-guerra, consciente do perigo apocalíptico que a razão instrumental e tecnológica entregue a si mesma pode introduzir, ressalta os limites de todo o projeto histórico da ciência e da tecnologia. Primeiramente existe um limite interno: o crescimento não pode ser ilimitado porque o universo é finito e as energias não renováveis reduzidas. Em segundo lugar, a hegemonia absoluta da razão debulhou o mundo circunstante e distorceu profundamente as relações sociais. A razão tornou-se cada vez mais antagônica àquelas dimensões da vida menos produtivas mas mais receptivas. O Logos recalcou o Eros e o Pathos, os valores do contato direto, da intimidade e da afetividade, da criatividade e da fantasia, da simplicidade e da espontaneidade. O Eros e a Techne parecem viver em permanente luta. 'O amante, como o poeta, é uma ameaça para a fabricação em série. Eros rompe as formas existentes e cria novas e isso, naturalmente, é uma ameaça à tecnologia. Esta exige regularidade, previsibilidade e é governada pelo relógio. O Eros não domesticado luta contra todos os conceitos e limitações do tempo'. O espírito de geometria deve poder encontrar um acordo com o espírito de fineza (Pascal), a lógica deve poder conviver com a cordialidade, porque ambas são expressão do humano".
Trecho da obra "São Francisco de Assis: Ternura e Vigor. Uma leitura a partir dos pobres", de Leonardo Boff
domingo, janeiro 27, 2008
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