João Boiadeiro é um faz-tudo na Rádio Estação Querida. Os créditos de todos os programas costumam tirar do sério alguns dos viajantes que aguardam seus trens na Estação (curtindo aquele solzinho acolhedor e um clima gostoso):
— Roteiro e produção: João Boiadeiro. Locução: João Boiadeiro. Reportagem: João Boiadeiro. Mesa de som: João... Cof! Cof!... eiro.
Só que o excesso de trabalho costuma aprontar das suas.
Hoje de manhã, com voz macabra, João anunciou com dois dias de atraso a notícia da queda do avião da Air France no Oceano Atlântico. Se é que existe compensação para um jornalista que é tão duramente furado, pelo menos a notícia da Rádio Estação Querida chegou mais bem apurada, mais completa — estou falando da confirmação de que os destroços encontrados a centenas de quilômetros de Fernando de Noronha são, realmente, do avião que partiu do Rio e que não chegou ao seu destino, Paris, França. Por um instante, estremeci ao pensar, rápida e involuntariamente, que João Boiadeiro poderia estar também naquele avião, dada a sua quase onipresença nos ares da Estação. Entretanto, a ilusão se extinguiu quando percebi que o nobre radialista resolveu fazer, cantando, uma brincadeira de muito mau gosto com o acidente.
— Exijo explicações!
— Chefe, a intenção era a melhor das intenções. Já que todos os outros veículos vão tratar do lado terrível da tragédia, das vidas que pereceram e das famílias que vão padecer pelo resto da vida, coube a mim dar um enfoque diferente ao tema, mais leve, quase reconfortante.
— Roteiro e produção: João Boiadeiro. Locução: João Boiadeiro. Reportagem: João Boiadeiro. Mesa de som: João... Cof! Cof!... eiro.
Só que o excesso de trabalho costuma aprontar das suas.
Hoje de manhã, com voz macabra, João anunciou com dois dias de atraso a notícia da queda do avião da Air France no Oceano Atlântico. Se é que existe compensação para um jornalista que é tão duramente furado, pelo menos a notícia da Rádio Estação Querida chegou mais bem apurada, mais completa — estou falando da confirmação de que os destroços encontrados a centenas de quilômetros de Fernando de Noronha são, realmente, do avião que partiu do Rio e que não chegou ao seu destino, Paris, França. Por um instante, estremeci ao pensar, rápida e involuntariamente, que João Boiadeiro poderia estar também naquele avião, dada a sua quase onipresença nos ares da Estação. Entretanto, a ilusão se extinguiu quando percebi que o nobre radialista resolveu fazer, cantando, uma brincadeira de muito mau gosto com o acidente.
— Exijo explicações!
— Chefe, a intenção era a melhor das intenções. Já que todos os outros veículos vão tratar do lado terrível da tragédia, das vidas que pereceram e das famílias que vão padecer pelo resto da vida, coube a mim dar um enfoque diferente ao tema, mais leve, quase reconfortante.
— Tragédia é tragédia, e em nenhuma hipótese admite brincadeiras.
— Talvez eu tenha levado muito a sério o que disse, certa vez, aquele francês: "O Brasil não é um país sério".
— Ainda assim, inadmissível.
— Acontece que, posto um ocorrido, por mais doloroso que seja, penso e defendo aqui que o ser humano deve extrair da situação o máximo de lições que puder.
— Que esse erro gravíssimo lhe sirva de lição, e que isso não se repita!
— Não se repetirá.
Sei que, de fato, era a melhor das intenções. Sei, também, de qual tipo de lições João Boiadeiro, um ambientalista ferrenho, estava falando. Também sei a quem ele queria pedir perdão. Mas, de qualquer jeito, esse tipo de coisa tinha de ser evitado. Bem, viajante, se você não acompanhou ao vivo e está um pouco perdido nesta história, sucedeu o seguinte: logo após ter noticiado o acidente com o avião, João Boiadeiro fez tocar um certo samba com nome de aeroporto francês, belíssimo mas pouco apropriado para o momento. Como se não bastasse a gafe, nos últimos quatro versos da primeira estrofe da letra, o som foi abafado por um canto desafinado que trocou as palavras originais por:
— Talvez eu tenha levado muito a sério o que disse, certa vez, aquele francês: "O Brasil não é um país sério".
— Ainda assim, inadmissível.
— Acontece que, posto um ocorrido, por mais doloroso que seja, penso e defendo aqui que o ser humano deve extrair da situação o máximo de lições que puder.
— Que esse erro gravíssimo lhe sirva de lição, e que isso não se repita!
— Não se repetirá.
Sei que, de fato, era a melhor das intenções. Sei, também, de qual tipo de lições João Boiadeiro, um ambientalista ferrenho, estava falando. Também sei a quem ele queria pedir perdão. Mas, de qualquer jeito, esse tipo de coisa tinha de ser evitado. Bem, viajante, se você não acompanhou ao vivo e está um pouco perdido nesta história, sucedeu o seguinte: logo após ter noticiado o acidente com o avião, João Boiadeiro fez tocar um certo samba com nome de aeroporto francês, belíssimo mas pouco apropriado para o momento. Como se não bastasse a gafe, nos últimos quatro versos da primeira estrofe da letra, o som foi abafado por um canto desafinado que trocou as palavras originais por:
Lamento
Que é por esse aquecimento
Que tão cedo vai pra outra
Dimensão
Mas o pior foram os créditos dos intérpretes:
— Chico Buarque e... Cof! Cof! João Boiadeiro.
Mas o pior foram os créditos dos intérpretes:
— Chico Buarque e... Cof! Cof! João Boiadeiro.
Nós, da Estação, lamentamos muito pelas vidas perdidas no acidente com o voo AF 447.
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