Ela estava contando o dinheiro. Dinheiro é fogo. Acendeu o cigarro para fumar um baseado. Seria o último, porque ela não tinha mais nenhum dinheiro — então não precisava mais contar.
As pessoas riam dela. Desprezavam-na. "Essa aí já foi grande e, para que não volte a ser, deve experimentar do isolamento". Isso poderia ter sido falado abertamente para que soasse menos covarde neste texto tão corajoso, mas tudo foi apenas pensado por alguém. Só pensamento. Deliberadamente, eles isolavam-na. Mais do que desprezo, era medo o que sentiam. Porque até a banal cena em que ela conta dinheiro e fuma qualquer coisa, sendo ela, poderia significar algo diferente, algo bem legal, algo que chamasse mais atenção do que aqueles que faziam esforço por chamar a atenção. Nos pensamentos dos reacionários menos críticos, ela era perigosa, che — os mais críticos procuravam nem pensar nela, ou procuravam não pensar que pensavam nela.
Ela sorriu para o homem que estava com fome. Alheia ao ódio que a cercava, sorriu para as pessoas que a vigiavam enquanto fingiam vomitar qualquer conversa umas para as outras. Algumas chegavam a gritar para se fazerem ouvidas — nossa amiga nunca precisou gritar. As pessoas queriam sorrir mais do que ela para o homem faminto. Depois, não podiam evitar e olhavam novamente para ela. Ela percebia cada olhar, cada gesto, cada fingimento. Também sabe ser humana, e sofre.
Vejam agora: estão dizendo que ela já foi uma boa pessoa, mas que agora está mascarada. Estão dizendo que ela só quer aparecer. Estão dizendo que ela não gosta das outras pessoas, e que ela escolheu o isolamento. Estão dizendo que ela não gosta do cônjuge — uma pessoa jura ter sido paquerada por ela. Quando chega o cônjuge, então, eles nem olham, para não verem surpresa. Não suportam e nem podem acreditar num amor tão puro. Estão analisando cada gesto, cada palavra, cada sorriso. E os batimentos cardíacos dessas pessoas são alterados a cada gesto dela, a cada sorriso dela. Mais ainda quando ela sorri a eles, ingênua. Ela não tem talento. Ela não é bela. Ela não é autêntica. Ela não ama. Ela não é nada.
Mas ela incomoda. E, se formos analisar mais fisicamente o negócio — porque ninguém é de ferro — ela está doente. Fraca. Sem disposição. Quase louca. Dores, desesperos, friagem. Ideais estão congelados para pesquisas futuras, porque agora, definitivamente, não é o momento. Isso eles percebem, eles sabem, eles nervosamente sabem, mas não falam. Esquecem. Também sabem ser humanos, e estão voluntariamente sujeitos a esses erros que costumam acometer os seres humanos normais.
"Não importa se me olham da cabeça aos pés. Porque nunca farão minha cabeça, e nunca chegarão aos meus pés" (Bob Marley)
Uma data dedicada à reflexão
Há 7 anos
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